A ventania

maio 8, 2009 às 1:00 am | Publicado em Eduardo Galeano, Frases soltas | 4 Comentários
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Assovia o vento dentro de mim. Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara.

 Eduardo Galeano

Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração. Eduardo Galeano

maio 8, 2009 às 12:57 am | Publicado em Eduardo Galeano, Frases soltas | Deixe um comentário
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A casa

maio 8, 2009 às 12:49 am | Publicado em Eduardo Galeano | 3 Comentários
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         1984 tinha sido um ano de merda. Antes do infarto, tinham me operado as costas; e Helena tinha perdido um bebê no meio do caminho. Quando Helena perdeu o bebê, a roseira da varanda secou. As outras plantas também morreram, todas, uma atrás da outra, apesar de serem regadas a cada dia.

 A casa parecia maldita. E no entanto. Nani e Alfredo Ahuerma tinham passado por lá algus dias, e ao ir embora escreveram no espelho:

Nesta casa fomos felizes.

E também nós tinhamos encontrado alegria naquela casa de repente amaldiçoada pelos ventos ruins, e a alegria tinha sabido ser mais poderosa que a dúvida e melhor que a memória, e por isso mesmo aquela casa barata e feia, num bairro barato e feio, era sagrada.

 

A perda

 

Helena sonhou que estava na infância, e não via nada. Apalpando na escuridão, ela pedia ajuda, pedia luz aos gritos, mas ninguém acendia as luzes. Naquele negror não podia encontrar as suas coisas, que estavam esparramadas pela casa inteira e por toda a cidade, e ela buscava o que era dela às cegas, na cerração, e também buscava algodão ou trapos ou qualquer coisa, porque estava perdendo sangue, rios de sangue, entre as eprnas, muito sangue, cada vez mais sangue, e embora não visse nada, sentia aquele rio vermelho e espesso que se soltava do seu corpoe se perdia nas trevas.

 Eduardo Galeano

 

Sentei no sofá e li em voz alta, para o meu pai ouvir estes trechos -achei que o interessaria.  E longe do sofá, sentada à frente do computador, minha mãe, ouvindo a história, começa a chorar.Era sua memória. Sua história emergindo e doendo. Lembrou-se por certo das duas irmãs que nunca tive. (Maracujá)

Celebração da voz humana/2

maio 8, 2009 às 12:16 am | Publicado em Eduardo Galeano | 3 Comentários
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Tinham as mãos amarradas, ou algemadas, e ainda assim os dedos dançavam, voavam, desenhavam palavras. Os presos estavam encapuzados; mas inclinando-se conseguiam ver alguma coisa, alguma coisinha, por baixo. E embora fosse proibido falar, eles conversavam com as mãos.

Pinio Ungerfeld me ensinou o alfabeto dos dedos, que aprendeu na prisão sem professor:
– Alguns tinham caligrafia ruim – me disse -. Outros tinham letra de artista.A ditadura uruguaia queria que cada um fosse apenas um, que cada um fosse ninguém: nas cadeias e quartéis, e no país inteiro, a comunicação era delito.

Alguns presos passaram mais de dez anos enterrados em calabouços solitários do tamanho de um ataúde, sem escutar outras vozes além do ruído das grades ou dos passos das botas pelos corredores. Fernández Huidobro e Mauricio Rosencof, condenados a essa solidão, salvaram-se porque conseguiram conversar, com batidinhas na parede. Assim contavam sonhos e lembranças, amores e desamores; discutiam, se abraçavam, brigavam; compartilhavam certezas e belezas e também dúvidas e culpas e perguntas que não têm resposta.

Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada”.

Eduardo Galeano

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