“O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença.”

abril 16, 2010 às 11:30 pm | Publicado em Érico Verissimo | Deixe um comentário

Érico Veríssimo

Eterno

abril 16, 2010 às 11:10 pm | Publicado em Carlos Drummond de Andrade | 1 Comentário

E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.

(Le silence éternel de ces espaces infinis m’effraie.)

— O que é eterno, Yayá Lindinha?
— Ingrato! é o amor que te tenho.

Eternalidade eternite eternaltivamente
eternuávamos
eternissíssimo

A cada instante se criam novas categorias do eterno.

Eterna é a flor que se fana
se soube florir
é o menino recém-nascido
antes que lhe dêem nome e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata
é minha mãe em mim que a estou pensando
de tanto que a perdi de não pensá-la
é o que se pensa em nós se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas as palavras, eternos os pensamentos; e passageiras as obras.
Eterno, mas até quando? é esse marulho em nós de um mar profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos afundamos.
É tentação a vertigem; e também a pirueta dos ébrios.
Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.

Mas eu não quero ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma essênciaou nem isso.
E que eu desapareça mas fique este chão varrido onde pousou uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.

Carlos Drummond de Andrade

Elegia

abril 16, 2010 às 11:05 pm | Publicado em Carlos Drummond de Andrade | Deixe um comentário

Ganhei (perdi) meu dia.

E baixa a coisa fria

também chamada noite, e o frio ao frio

em bruma se entrelaçam, num suspiro.

E me pergunto e me respiro

na fuga deste dia que era mil

para mim que esperava,

os grandes sóis violentos, me sentia

tão rico deste dia

e lá se foi secreto, ao serro frio.

Perdi minha alma à flor do dia ou já perdera

bem antes sua vaga pedraria ?

Mas quando me perdi, se estou perdido

antes de haver nascido

e me nasci votado à perda

de frutos que não tenho nem colhia ?

Gastei meu dia. Nele me perdi.

De tantas perdas uma clara via

por certo se abriria

de mim a mim, estrela fria.

As arvores lá fora se meditam.

O inverno é quente em mim, que o estou berçando

e em mim vai derretendo

este torrão de sal que está chorando.

Ah, chega de lamento e versos ditos

ao ouvido de alguém sem rosto e sem justiça,

ao ouvido do muro,

ao liso ouvido gotejante

de uma piscina que não sabe o tempo, e fia

seu tapete de água, distraída.

E vou me recolher

ao cofre de fantasmas, que a notícia

de perdidos lá não chegue nem açule

os olhos policiais do amor-vigia.

Não me procurem que me perdi eu mesmo

como os homens se matam, e as enguias

à loca se recolhem, na água fria.

Dia,

espelho de projeto não vivido,

e contudo viver era tão flamas

na promessa dos deuses; e é tão ríspido

em meio aos oratórios já vazios

em que a alma barroca tenta confortar-se

mas só vislumbra o frio noutro frio.

Meu Deus, essência estranha

ao vaso que me sinto, ou forma vã,

pois que, eu essência, não habito

vossa arquitetura imerecida;

meu Deus e meu conflito,

nem vos dou conta de mim nem desafio

as garras inefáveis: eis que assisto

a meu desmonte palmo a palmo e não me aflijo

de me tornar planície em que já pisam

servos e bois e militares em serviço

da sombra, e uma criança

que o tempo novo me anuncia e nega.

Terra a que me inclino sob o frio

de minha testa que se alonga,

e sinto mais presente quando aspiro

em ti o fumo antigo dos parentes,

minha terra, me tens; e teu cativo

passeias brandamente

como ao que vai morrer se estende a vista

de espaços luminosos, intocáveis:

em mim o que resiste são teus poros.

E sou meu próprio frio que me fecho

Corto o frio da folha. Sou teu frio.

E sou meu próprio frio que me fecho

longe do amor desabitado e líquido,

amor em que me amaram, me feriram

sete vezes por dia em sete dias

de sete vidas de ouro,

amor, fonte de eterno frio,

minha pena deserta, ao fim de março,

amor, quem contaria ?

E já não sei se é jogo, ou se poesia.

Carlos Drummond de Andrade

Escada

abril 16, 2010 às 11:01 pm | Publicado em Carlos Drummond de Andrade | 3 Comentários

Na curva desta escada nos amamos,
nesta curva barroca nos perdemos.
O caprichoso esquema
unia formas vivas, entre ramas.

Lembras-te carne? Um arrepio telepático
vibrou nos bens municipais, e dando volta
ao melhor de nós mesmos,
deixou-nos sós, a esmo,
espetacularmente sós e desarmados,
que a nos amarmos tanto eis-nos morridos.

E mortos, e proscritos
de toda comunhão no século (esta espira
é testemunha, e conta), que restava
das línguas infinitas
que falávamos ou surdas se lambiam
no céu da boca sempre azul e oco?

Que restava de nós,
neste jardim ou nos arquivos, que restava
de nós, mas que restava, que restava?
Ai, nada mais restara,
que tudo mais, na alva,
se perdia, e contagiando o canto aos passarinhos,
vinha até nós, podrido e trêmulo, anunciando
que amor fizera um novo testamento,
e suas prendas jaziam sem herdeiros
num pátio branco e áureo de laranjas.

Aqui se esgota o orvalho,
e de lembrar nã há lembrança. Entrelaçados,
insistíamos em ser; mas nosso espectro,
submarino, à flor do tempo ia apontando,
e já noturnos, rotos, desossados,
nosso abraço doía
para além da matéria esparsa em números.

Asa que ofereceste o pouso raro
e dançarino e rotativo, cálculo,
rosa grimpante e fina
que à terra nos prendias e furtavas,
enquanto a reta insigne
da torre ia lavrando
no campo desfolhado outras quimeras:
sem ti não somos mais o que antes éramos.

E se este lugar de exílio hoje passeia
faminta imaginação atada aos corvos
de sua própria ceva,
escada, ó assunção,
ao céu alças em vão o alvo pescoço,
que outros peitos em ti se beijariam
sem sombra, e fugitivos,
mas nosso beijo e baba se incorporam
de há muito ao teu cimento, num lamento.

Carlos Drummond de Andrade – Fazendeiro do Ar

Memória

abril 16, 2010 às 10:50 pm | Publicado em Carlos Drummond de Andrade | Deixe um comentário

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão

Carlos Drummond de Andrade

O dia que júpiter encontrou saturno

abril 14, 2010 às 2:22 am | Publicado em Caio Fernando Abreu | 3 Comentários

…(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.

-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.

-Vou te escrever carta e não te mandar.

-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.

-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.

-Vou ver Saturno e me lembrar de você.

-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.

-O tempo não existe.

-O tempo existe, sim, e devora.

-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido.Alfazema?

-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.

-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.

-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.

-Natural é encontrar. Natural é perder.

-Linhas paralelas se encontram no infinito.

-O infinito não acaba. O infinito é nunca. -Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando “Kiss, kiss, kiss”. Por que você não me convida para dormirmos juntos.

-Você quer dormir comigo? -Não.

-Porque não é preciso?

-Porque não é preciso.

(Silêncio)

-Me beija.

-Te beijo.

Caio Fernando Abreu em Morangos Mofados – p140 e 141

Na terra do coração

abril 14, 2010 às 2:08 am | Publicado em Caio Fernando Abreu | Deixe um comentário

Nave, ninho, poço, mata, luz,

abismo, plástico, metal,

espinho, gota, pedra, lata.

Passei o dia pensando – coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação – repetido, invertido – ação, cor – sem sentido – couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:
Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra.

Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável.

Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.
Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.

Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se pos. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.

Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.

Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.

Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.

Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: “Im too pure for you or anyone”. Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.

Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.

Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.

Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.

Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo.

Meu coração é uma planta carnívora morta de fome.

Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos – ai de mim! ai, ai de mim!

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.

Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso. Acesa, aceso – vasto, vivo: meu coração teu.

Caio Fernando Abreu em Pequenas Epifanias

Caso pluvioso

abril 14, 2010 às 1:23 am | Publicado em Carlos Drummond de Andrade | Deixe um comentário

A chuva me irritava.
Até que um dia descobri que maria é que chovia.
A chuva era maria.
E cada pingo de maria ensopava o meu domingo.
E meus ossos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura…
maria, chuvosíssima criatura!
Ela chovia em mim, em cada gesto,
pensamento, desejo, sono, e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa…Nossa!
Não me chovas, maria, mais que o justo
chuvisco de um momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!
Eu lhe dizia em vão – pois que maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,
que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!
Eu lhe gritava: Pára! e ela chovendo,
poças dágua gelada ia tecendo.
Choveu tanto maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa
e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me levavam,
as fontes de maria mais chuvavam,
de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,
e eis o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.
Os seres mais estranhos se juntando na mesma aquosa pasta
iam clamando contra essa chuva estúpida e mortal
catarata (jamais houve outra igual).
Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d’água mais deliram,
e maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.
Os navios soçobram.
Continentes já submergem com todos os viventes,
e maria chovendo.
Eis que a essa altura, delida e fluida
a humana enfibratura,
e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,
e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, maria! – e ela parou.

Carlos Drummond de Andrade

abril 14, 2010 às 12:54 am | Publicado em Caio Fernando Abreu | 1 Comentário

“…sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu Deus como você me doía de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes pra abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando e pensando meu Deus como você me dói de vez em quando”

Caio Fernando Abreu

abril 14, 2010 às 12:40 am | Publicado em Caio Fernando Abreu, Recortes | Deixe um comentário

“Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele.”

Caio Fernando Abreu

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