O dia que júpiter encontrou saturno

abril 14, 2010 às 2:22 am | Publicado em Caio Fernando Abreu | 3 Comentários

…(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.

-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.

-Vou te escrever carta e não te mandar.

-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.

-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.

-Vou ver Saturno e me lembrar de você.

-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.

-O tempo não existe.

-O tempo existe, sim, e devora.

-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido.Alfazema?

-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.

-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.

-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.

-Natural é encontrar. Natural é perder.

-Linhas paralelas se encontram no infinito.

-O infinito não acaba. O infinito é nunca. -Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando “Kiss, kiss, kiss”. Por que você não me convida para dormirmos juntos.

-Você quer dormir comigo? -Não.

-Porque não é preciso?

-Porque não é preciso.

(Silêncio)

-Me beija.

-Te beijo.

Caio Fernando Abreu em Morangos Mofados – p140 e 141

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